Divulgação: Nasa
Por William Steigerwald
Publicado em 2 de fevereiro de 2022
A superfície de Marte é hoje árida e inóspita, mas nem sempre foi assim. Bilhões de anos atrás, quando a vida surgia na Terra, o clima marciano pode ter sido semelhante ao terrestre, com uma atmosfera mais densa e oceanos de água líquida. Um estudo financiado pela NASA e parceiros internacionais sugere que esse período habitável durou mais tempo do que se imaginava.
Um passado úmido e promissor
Animação ilustrando a transição do clima marciano de úmido para seco. Crédito: NASA Goddard/Conceptual Image Lab. [Baixar vídeo]
"Nossa simulação revelou que, há três bilhões de anos, o clima em grande parte do hemisfério norte de Marte era muito semelhante ao da Terra atual, com um oceano estável", explicou Frédéric Schmidt, da Universidade Paris-Saclay (França), coautor principal do estudo publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences em 17 de janeiro. "Isso contradiz teorias anteriores que questionavam a estabilidade de um oceano no norte marciano e amplia a janela de tempo para um clima semelhante ao da Terra no planeta."
O período Noachiano tardio (entre 4,1 e 3,5 bilhões de anos atrás) é tradicionalmente considerado a era habitável de Marte, marcada por chuvas intensas perto do equador — evidenciadas por redes de vales formadas pela erosão hídrica.
O fim de um clima ameno
Conceito artístico da região de Kasei Valles em Marte há três bilhões de anos. Áreas brancas: geleiras; azuis: oceano.
Crédito: F. Schmidt/NASA/USGS/ESA/DLR/FU Berlim (G. Neukum)
No entanto, esse clima favorável não persistiu. Com o tempo, Marte tornou-se frio e seco, com uma atmosfera rarefeita incapaz de sustentar água líquida na superfície — condição essencial para a vida como a conhecemos. O novo estudo prolonga em 500 milhões de anos o período potencialmente habitável, estendendo-o até o final da era Hesperiana.
"Determinar o clima marciano há três bilhões de anos é complexo porque as características geológicas não corroboram totalmente um cenário exclusivamente úmido ou seco", disse Michael Way, coautor do estudo e pesquisador do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da NASA. "Um clima quente teria causado maior erosão, mas há poucos vales dessa época. Já um clima extremamente frio manteria o oceano norte congelado, impedindo tsunamis — para os quais há indícios geológicos."
O modelo: frio, mas úmido
A simulação sugere um clima frio e úmido em Marte naquele período. Um oceano estável teria se formado na planície norte, onde a atmosfera era mais densa. A água evaporaria, retornando como chuva ou neve: precipitação próxima ao oceano e neve nas terras altas do sul, formando geleiras que fluiriam de volta à bacia oceânica.
O oceano permaneceria líquido mesmo com temperaturas médias abaixo de zero, graças à circulação oceânica, que levaria água mais quente para o polo, elevando a temperatura regional em até 4,5°C. Além disso, a água líquida — mais escura que o gelo — absorveria mais calor solar.
O papel da atmosfera primitiva
A atual atmosfera marciana, composta majoritariamente por CO₂, tem apenas 1% da pressão terrestre ao nível do mar. Mas o modelo indica que, no passado, ela pode ter sido tão espessa quanto a da Terra, com 10% de hidrogênio (H₂) — um potente gás de efeito estufa, liberado por vulcanismo ou impactos de meteoritos. Essa atmosfera densa reteria calor, sustentando o oceano norte.
Metodologia inovadora
O estudo utilizou o *Modelo Climático Global (GCM) ROCKE-3D*, desenvolvido pela NASA, que simula atmosfera e oceano em 3D simultaneamente — um avanço em relação a modelos anteriores. "A maioria dos estudos usa oceanos simplificados, sem transporte de calor horizontal ou vertical. Nosso modelo é mais realista", destacou Way.
Evidências geológicas
O cenário proposto alinha-se a características observadas em Marte:
Vales em U: esculpidos por geleiras nas terras altas do sul (regiões mais frias do modelo).
Redes de vales em V: formadas por chuva perto da costa norte (áreas mais quentes).
Próximos passos
A equipe buscará mais evidências:
Análise de imagens de missões recentes para validação de vales glaciais.
A missão Mars Ice Mapper (NASA e parceiros) usará radar para investigar vestígios do oceano antigo.
O rover chinês Zhurong, que pousou na região do possível oceano, pode fornecer dados geológicos cruciais.
Financiamento e colaboração
O estudo contou com apoio da NASA e parceiros internacionais, incluindo a Universidade Paris-Saclay, o CNRS e a agência espacial francesa (CNES), além de recursos computacionais do Centro de Simulação Climática da NASA.
Contato:
Bill Steigerwald
Centro de Voos Espaciais Goddard da NASA, Greenbelt, Maryland
William.A.Steigerwald@nasa.gov