Os avanços na tecnologia levantam questões sobre a necessidade de enviar pessoas ao espaço — e os riscos e custos — Foto: Getty Images via BBC
Os avanços na tecnologia levantam questões sobre a necessidade de enviar pessoas ao espaço — e os riscos e custos
Na véspera do Natal passado, uma sonda espacial autônoma chegou mais perto do Sol do que qualquer outro objeto já construído pelo ser humano.
Ao adentrar a atmosfera solar, a sonda Parker Solar Probe, da NASA, tinha um objetivo claro: desvendar os mistérios do Sol, incluindo sua influência sobre o clima espacial da Terra.
A conquista foi histórica — mas, diferentemente de outros feitos da exploração espacial, nenhum humano participou diretamente da missão. A sonda operou sozinha, realizando suas medições em meio ao intenso calor solar, sem receber comandos em tempo real da Terra.
Há mais de 60 anos, sondas robóticas são enviadas ao Sistema Solar, alcançando lugares onde o homem ainda não pode chegar.
Durante os dez dias em que voou perto do Sol, a Parker Solar Probe foi submetida a temperaturas de 1.000°C. Mas o sucesso dessa sonda espacial — somado aos avanços da inteligência artificial — desperta questões sobre qual será o papel que seres humanos desempenharão em futuras explorações espaciais.
Representação artística da sonda espacial Parker Solar Probe se aproximando do sol — Foto: Nasa via BBC"Robôs estão evoluindo rapidamente e a justificativa para o envio de humanos perde força cada vez mais", diz Martin Rees, que ocupa o posto de astrônomo real do Reino Unido. "Não acho que o dinheiro dos contribuintes deveria ser usado para enviar humanos ao espaço."
Rees também lembra do risco que essas viagens representam para seres humanos.
"A única razão para enviarmos humanos [ao espaço] é [proporcionar] uma experiência a pessoas ricas, e isso deveria ser financiado com dinheiro privado", ele argumenta. Andrew Coates, um físico da University College London concorda.
"Para explorações espaciais sérias, prefiro robôs", diz. "Eles vão muito mais longe e fazem mais coisas."
O astronauta americano Buzz Aldrin caminhando na superfície da Lua em 1969 — Foto: Nasa/AFP vai BBCOs robôs também são mais baratos do que os humanos, argumenta Coates. "E, à medida que a IA avança, os robôs podem se tornar cada vez mais inteligentes", afirma.
Mas o que isso significa para futuras gerações de astronautas? E há tarefas que humanos podem fazer no espaço que robôs, por mais avançados, jamais poderiam fazer?
Sondas espaciais x Humanos
Espaçonaves robóticas visitaram todos os planetas do sistema solar, assim como muitos asteroides e cometas, mas os humanos só foram a dois destinos: a órbita da Terra e a Lua.
Ao todo, cerca de 700 pessoas foram ao espaço desde 1961, quando Yuri Gagarin, da antiga União Soviética, tornou-se o primeiro cosmonauta.
A maioria delas esteve em órbita (circulando a Terra) ou em sub-órbita (pequenos voos verticais ao espaço com duração de minutos, em veículos como o New Shepard da companhia americana Blue Origin).
"Prestígio será sempre uma razão pela qual teremos humanos no espaço", diz a bióloga da Rice University, no Texas, Kelly Weinersmith. Ela é co-autora de A City on Mars (Uma Cidade em Marte, em tradução livre).
"[Viagens ao espaço], parece ser um consenso, são uma grande forma de mostrar que seu sistema político funciona e seu povo é incrível."
Mas além do desejo inato de explorar, ou da busca por prestígio, humanos também fazem pesquisas e experimentos na órbita da Terra, como na Estação Espacial Internacional, e usam isso para fazer a ciência avançar.
Foto do nascer da Terra, tirada pelo astronauta americano William Anders em dezembro de 1968 durante a missão Apollo 8 — Foto: Nasa via BBCOs robôs desempenham um papel crucial na pesquisa científica, pois podem explorar ambientes inóspitos para os humanos, utilizando instrumentos especializados para analisar atmosferas e superfícies distantes.
"Humanos são mais versáteis e ágeis que robôs, mas manter nossa sobrevivência no espaço é complexo e custoso," afirma Weinersmith.
Essa ideia ganha um tom poético no livro Orbital, vencedor do renomado Prêmio Booker de 2024, em que a autora britânica Samantha Harvey reflete: "Um robô não precisa de água, comida, sono… não deseja nada e nunca exige nada em troca."
No entanto, há limitações. Muitos robôs operam com extrema lentidão e precisão metódica — como as sondas marcianas, que se deslocam a meros 0,16 km/h, controladas a milhões de quilômetros de distância.
"A IA pode bater humanos no xadrez, mas será que isso significa que ela pode bater seres humanos na exploração de ambientes?", questiona Ian Crawford, cientista planetário da Universidade de Londres.
Ele diz, no entanto, que algoritmos gerados por IA podem tornar as sondas "mais eficientes".
IA assistente e robôs humanoides
A tecnologia pode desempenhar um papel na complementação das viagens espaciais humanas, liberando os astronautas de certas tarefas para que eles possam se concentrar em pesquisas mais importantes.
A IA pode ser usada para automatizar tarefas repetitivas, explica Kiri Wagstaff, uma cientista planetária que trabalhou no Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, na Califórnia.
"Na superfície de um planeta, humanos se cansam e perdem a concentração, máquinas não".
"No entanto, para que isso seja possível, os cientistas precisam superar um grande obstáculo: os chamados Large Language Models (LLMs, ou Modelos de Linguagem de Grande Escala) — sistemas de IA que processam e geram linguagem humana a partir de enormes volumes de dados — exigem quantidades imensas de energia para funcionar.
'Ainda não conseguimos operar um LLM diretamente em uma sonda em Marte', explica Wagstaff.
'Os processadores da sonda têm apenas um décimo da velocidade de um celular comum', o que os torna incapazes de atender às exigências computacionais de um modelo desse tipo.**
Além disso, robôs humanoides avançados, equipados com braços mecânicos, representam outra tecnologia promissora para assumir tarefas básicas no espaço, especialmente por sua capacidade de replicar com precisão os movimentos e habilidades físicas dos seres humanos."
Robô humanoide Valkyrie da Nasa — Foto: Nasa via BBCO robô Valkyrie, desenvolvido pela NASA, foi construído no Centro Espacial Johnson para participar de um desafio de robótica em 2013.
Com 1,89 m de altura e 136 kg, sua aparência lembra a dos stormtroopers de Star Wars, mas ele faz parte de uma geração crescente de humanoides com capacidades além das humanas.
Antes do Valkyrie, porém, a NASA já havia criado o Robonaut, seu primeiro robô humanoide projetado para operar no espaço, realizando taregas que, de outra forma, exigiriam astronautas.
Suas mãos foram especialmente desenvolvidas para manusear as mesmas ferramentas usadas por humanos, executando operações delicadas, como segurar objetos e acionar interruptores — funções que outros robôs tinham dificuldade em realizar.
Em 2011, uma versão mais avançada do Robonaut foi enviada à Estação Espacial Internacional a bordo do ônibus espacial Discovery, onde passou a auxiliar em tarefas de manutenção e montagem.
"Se precisarmos substituir um componente ou limpar um painel solar, podemos fazer isso roboticamente", explica Shaun Azimi, líder da equipe de robótica do Centro Espacial Johnson, no Texas (EUA).
"Vemos os robôs como uma forma de proteger esses habitats quando os humanos não estão por perto."
Para Azimi, a ideia não é substituir as pessoas, mas sim criar parceiros de trabalho autônomos.
Alguns robôs já operam sozinhos em outros planetas, tomando decisões independentes.
Um exemplo é a sonda Curiosity, que explora a Cratera Gale em Marte, realizando análises científicas sem intervenção humana direta.
"Podemos instruí-la a fotografar certas áreas, identificar rochas de interesse científico e, então, disparar um laser sobre o alvo escolhido — tudo de forma autônoma", afirma Wagstaff.
"Ela pode analisar uma rocha e enviar os dados de volta para a Terra enquanto os humanos estão dormindo."
Mas as capacidades de sondas como a Curiosity são limitadas por sua lentidão. E existe algo mais com que elas não podem competir: humanos têm o poder de inspirar as pessoas na Terra.
A China também tem planos de enviar astronautas à Lua, reforçando sua presença na corrida espacial. Enquanto isso, Elon Musk, bilionário fundador da SpaceX, revelou projetos ainda mais ousados: a colonização de Marte.
Musk pretende usar a Starship, nave em desenvolvimento pela SpaceX, para transportar até 100 pessoas por viagem ao planeta vermelho. Seu objetivo é estabelecer uma colônia marciana com 1 milhão de habitantes em duas décadas.
"Musk defende que a humanidade precisa de um plano B, e Marte seria uma alternativa em caso de catástrofe na Terra", explica Weinersmith. "
Se essa ideia faz sentido, então enviar humanos ao espaço se torna uma necessidade.
No entanto, os desafios são enormes. Além das dificuldades técnicas, há questões éticas e biológicas sem resposta. "Bebês podem não se desenvolver adequadamente em Marte", aponta um especialista. "São dilemas que ainda não sabemos resolver."
Alguns, como Martin Rees, acreditam que o futuro da exploração espacial pode envolver uma fusão entre humanos e máquinas. "Acredito que modificações genéticas e implantes cibernéticos serão essenciais para sobreviver em ambientes extremos", diz ele. "Talvez surja uma nova espécie adaptada a viver em Marte."
Enquanto essas possibilidades ainda são distantes, a exploração espacial continua avançando passo a passo, seguindo o caminho aberto pelas missões robóticas que já desbravam o cosmos.
Fonte: g1.globo.com