A superfície de Vênus pode nunca ter sido temperada o suficiente para abrigar água líquida, sugere uma nova pesquisa. Crédito: NASA/JPL
Acredita-se que nosso planeta irmão já tenha sido um mundo habitável, mas um novo estudo pode mudar essa narrativa e alterar a busca por vida na galáxia
A história do início do Sistema Solar interno é mais ou menos assim: bilhões de anos atrás, existiam três planetas rochosos com oceanos de água líquida. Talvez todos os três pudessem ter condições para a vida. Mas, enquanto Marte perdeu sua atmosfera e a atmosfera de Vênus sofreu um efeito estufa descontrolado, apenas a Terra conseguiu sustentar vida no final.
Porém, um trio de pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, tem uma visão diferente — que, há todos esses bilhões de anos, Vênus já era quente demais para abrigar oceanos. Havia vapor d’água (ainda vemos evidências disso hoje), mas ele nunca teve a chance de se condensar em oceanos. Em vez disso, Vênus era um mundo de vapor, onde as temperaturas superficiais podiam chegar a incríveis 727°C. Pelos padrões atuais, isso significa que a superfície de Vênus já era um mundo infernal e inóspito — e nunca melhorou muito.
"Por bilhões de anos, esse vapor atmosférico sofreu fotodissociação, quebrando as moléculas de água em hidrogênio e oxigênio, com o hidrogênio mais leve escapando gradualmente para o espaço", diz Tereza Constantinou, estudante de doutorado em Cambridge e autora principal de um artigo detalhando o trabalho, publicado hoje na Nature Astronomy. "Esse processo acabou deixando Vênus com a atmosfera árida que observamos hoje."
O trabalho da equipe apresenta um cenário para o início do Sistema Solar que pode revisar drasticamente nossa compreensão da história climática de Vênus e alterar significativamente a chance de que ele já tenha sido habitável. Se Vênus fosse, de fato, um mundo de vapor, não estaria sozinho. Recentes descobertas de exoplanetas, como GJ 9827 d, mostram evidências de mundos envoltos em vapor quente.
Redefinindo a zona habitável
Os astrônomos geralmente trabalham com dois conceitos para a zona habitável de um sistema estelar. Há a zona habitável conservadora, definida como a região em torno de uma estrela onde as temperaturas seriam semelhantes às da Terra. Há também a zona habitável otimista, que considera a teoria de que Vênus e Marte já foram mundos habitáveis; isso sugere que Vênus está no que chamamos de borda interna da zona habitável, e Marte na borda externa.
Se Vênus estiver além da borda interna, isso pode reformular nossa compreensão sobre quais planetas podem ser habitáveis — e reduzir drasticamente a busca por vida em outros mundos.
"No entanto, sabendo que Vênus provavelmente nunca foi habitável, os exoplanetas parecidos com Vênus que o JWST está caracterizando são candidatos improváveis a condições habitáveis", diz Constantinou. "Isso estreita a busca por condições habitáveis e vida em exoplanetas, direcionando a atenção para análogos da Terra."
Missões a Vênus
Há algumas missões, atuais ou em fase de preparação, que podem responder muitas questões sobre a história climática de Vênus e confirmar as descobertas desta equipe. A EnVision, uma missão europeia com lançamento previsto para 2031, investigará Vênus a partir de sua órbita. Ela será equipada com vários instrumentos para examinar como a atmosfera, a superfície e o interior de Vênus interagem. Entre eles estão espectrômetros de massa, que procurarão gases na atmosfera que indiquem a existência passada (ou, em pequenas quantidades, presente) de água.
Há também a missão DAVINCI, da NASA, com cronograma semelhante ao da EnVision. Ela está associada a outra missão da NASA, a VERITAS. A DAVINCI será equipada com uma sonda atmosférica, que poderá estudar melhor a atmosfera de Vênus durante sua descida e "responder se Vênus já foi úmido ou habitável", diz Constantinou.
Claro, ainda há uma pequena chance de vida em Vênus — só é preciso olhar mais alto. As condições na alta atmosfera são mais amenas e parecidas com as da Terra e, em certos cenários, ainda poderiam ter abrigado vida, mesmo que a superfície de Vênus estivesse inóspita demais.
Em 2020, uma equipe de pesquisadores relatou o que afirmavam ser evidências de um gás chamado fosfina na atmosfera de Vênus. Na Terra, a fosfina é produzida por vida e quase nada mais, então isso seria uma forte indicação de vida microbiana na atmosfera venusiana ou algum processo não biológico. Mas essa afirmação ainda é controversa e contestada. A análise inicial da equipe foi afetada por erros na redução de dados do observatório que coletou as informações, e muitos pesquisadores acreditam que o sinal é mais provavelmente um composto diferente que absorve luz no mesmo comprimento de onda da fosfina.
"Qualquer vida potencial na atmosfera de Vênus teria se originado e evoluído sob condições totalmente diferentes, talvez adaptada para sobreviver em nuvens de ácido sulfúrico — ou seja, vida como ainda não conhecemos", diz Constantinou.